segunda-feira, 4 de junho de 2012

Melancolia e Depressão

Melancolia vs depressão


Este post é uma resposta a Rodrigo, que comentou sobre melancolia e depressão e trouxe uma indagação muito boa para ser respondida em forma de comentário apenas. Ele queria entender (não com estas palavras) qual a diferença entre melancolia e depressão.

Você pode afirmar que sabe a diferença?

Um dicionário online traz que

Melancolia (do grego μέλας "negro" e χολή "bilis") é um estado psíquico de depressão sem causa específica. Se caracteriza pela falta de entusiasmo e predisposição para atividades em geral. Melancolia é uma das "características" da Depressão Maior. A duração do estado depressivo deve ser superior a dois anos, afetando as funções básicas do dia-a-dia de uma forma considerável. A melancolia pode ou não estar presente na pessoa que sofre de depressão maior

Melancolia por Albrecht Dürer (1471 – 1528)

Hipócrates (460-377 a.C.) foi quem postulou o conceito de Melancolia. Ele acreditava que a maioria das doenças resultava de transtornos de humores. Por humores, entenda-se "líquidos" que circulavam no corpo: sangue, bílis, linfa e fleuma. De acordo com a predominância de um ou outro destes "líquidos", as personalidades poderiam ser sanguíneos, melancólicos, coléricos e fleumáticos. Ou seja: uma pessoa era melancólica se apresentava um excesso de bílis negra a circular no corpo, que causava os sentimentos negativos (tristeza, apatia, etc.). Para Hipócrates, a doença começava no baço, órgão influenciado por Saturno: o astro induzia o órgão a expelir o excesso de bílis causador da melancolia. Durante a Idade Média, na qual superstições e religiosidade dominavam o campo da psiquiatria, era comum atribuir fatores astrológicos às doenças mentais. Só com o Renascimento e Iluminismo esta atitude mudou.

No século 10, Avicena, um médico e filósofo persa, descreveu no seu Canon de Medicina várias perturbações neuropsiquiátricas, inclusive a melancolia, que definiu como um estado depressivo de humor no qual a pessoa suspeita de tudo e desenvolve certas fobias (Haque, 2004).

No clássico artigo de FreudLuto e Melancolia (1917), ele já previa uma certa dificuldade para definir esta condição emocional. Freud acreditava que a melancolia se assemelha ao luto, mas sem o contexto da perda. Na melancolia o objeto perdido é mais emocional que real. Além disso, o paciente melancólico sofre um profundo abalo de sua auto-estima, o que não ocorre no luto (no qual o indivíduo mantém o senso de auto-estima razoavelmente intacto). O problema na identificação da melancolia é que ela se manifesta de diversas formas, dificultando seu enquadramento em um bloco único.

Segundo Santana (2007),
Alguns vêem a melancolia não só como uma doença, mas como um estado de espírito, algo passageiro. O sucesso desse tema, de qualquer forma, revela uma grande identidade do público com ele, tanto nos séculos passados, quanto nos tempos atuais. Ele é igualmente objeto de divagações filosóficas, e um assunto muito caro ao filósofo Walter Benjamin. Recentemente, o escritor Moacyr Scliar escreveu o livro Saturno nos Trópicos, no qual também explora esse filão. Para o autor, o que mais se aproxima do estado de melancolia é o sono, porque ambos conduzem a um certo entorpecimento, à falta de ação, a uma carência de iniciativa própria. A literatura brasileira está repleta de protagonistas que tendem para o humor melancólico – o médico de O Alienista, de Machado de Assis, e o mais conhecido, o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato.

Esta tendência a ver a melancolia como inspiradora vem do período romântico ou Romantismo, movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século 18 na Europa. O Romantismo buscou opor-se ao Racionalismo e iniciou um culto da melancolia. A imagem do escritor pálido, tuberculoso, apreciador de absinto que escrevia obras trágicas e morria jovem vem desta época. Interessante notar, que ainda hoje observa-se traços do romantismo especialmente no meio artístico brasileiro: Devido ao culto da melancolia (e do abuso de entorpecentes), os autores da época acreditavam que "sofriam" mais que o resto da sociedade e que esta de tal forma lhes deveria aceitar com seus defeitos e qualidades. Este discurso ainda hoje é ouvido no Brasil como justificativa para estes comportamentos no meio artístico (quem nunca ouviu alguém falando: "ah, ele se droga, não é? Os artistas são assim mesmo, mais sensíveis").
Retirado do blog "Meu divã é na cozinha", de Vanessa Souza Moraes

Depressão s. f. Fig. Abatimento; enfraquecimento físico ou moral; desânimo; esgotamento (No dicionário online).
Segundo Del Porto (1999), "O termo depressão, na linguagem corrente, tem sido empregado para designar tanto um estado afetivo normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e uma (ou várias) doença(s). (...)
Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais variados quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas.
Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite).
Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc."

Segundo o mesmo autor, a melancolia tem sido empregada na terminologia científico-psiquiátrica para designar um cluster de sintomas da depressão endógena (que aparentemente quanto mais melancólica, mais responsiva a tratamento) nas classificações atuais. Assim um Diagrama de Venn básico sobre o assunto como é visto hoje seria:
Quanto à origem do termo e do seu uso em medicina, a palavra "depressão", é derivada do latim deprimere" e significa abaixar. A partir do século 14, enquanto o termo melancolia ainda era bastante usado, "deprimir" significava subjugar ou rebaixar o espírito. Dois autores ingleses (Richard Baker, 1665 e Samuel Johnson, 1753) utilizaram o termo no sentido de alguém sentir "grande depressão do espírito".
O uso do termo para designar um sintoma pode ser visto nos trabalhos do psiquiatra francês Louis Delasiauve em 1856 e por volta de 1860 já aparecia em diversos dicionários médicos, com significado de redução da função emocional (Berrios, 1988). Engraçado entender que, como ilustrado acima, o termo melancolia tenha sido utilizado mais para homens brilhantes desde os tempos dos gregos, como se a melancolia fosse a maldição atribuída ao grande exercício das faculdades mentais por pessoas brilhantes, enquanto que o termo depressão, no século 19, era utilizado mais para mulheres e de certa forma, estava ligado à hipocondria (Radden, 2003).

Embora a melancolia tenha continuado como termo diagnóstico predominante, o uso do termo depressão ganhou força nos tratados médicos até que o psiquiatra grego Emil Kraepelin usou-o de forma intensa para referir-se aos diversos tipos de melancolia como estados depressivos.
Outro psiquiatra alemão, Kurt Schneider, cunhou os termos "depressão endógena" e "depressão reativa" em 1920, para designar depressão que surge de forma patológica, sem necessidade de estímulos internos (a primeira) e depressão resultante de estressores de vida.

O primeiro DSM, de 1952, continha o termo depressão reativa. Já o DSM-II de 1968, com o avanço da psicanálise trazia o termo neurose depressiva, definida por uma reação excessiva a conflitos internos ou eventos identificáveis. Neste século, diversas teorias sobre a depressão surgiram (que merecem um post só para elas) para explicar as causas e propor tratamentos.

Para concluir, devo afirmar que adorei a participação do Rodrigo no blog. Como havia acontecido anteriormente no post Banzo negro, que foi "sugerido" por uma leitora do blog, uma simples pergunta mostrou-se extremamente complexa para responder, requerendo uma análise epistemológica dos termos, auxiliada por uma viagem histórica.
Espero que tenha esclarecido as dúvidas de uma forma clara para auxiliar quem está em tratamento e quer entender melhor o que se passa ou para quem quer conhecer melhor a área.

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